terça-feira, 5 de abril de 2016

Incompletudes do PNE: um primeiro elenco (parte 2)

Incompletudes do PNE - um primeiro elenco

As incompletudes do Plano Nacional de Educação: observações de abril de 2016 (2)

por Jorge Atilio Silva Iulianelli

Após os debates na Câmara e no Senado, com os diferentes substitutivos, desde 2011, o projeto do PNE recebeu várias propostas que consubstanciavam a visão neoliberal do papel da iniciativa privada. Isso se contrapunha à visão de uma educação pública, gratuita e de qualidade social. Efetivamente, essa contradição, público-privado, é um dos elementos que polarizou o plano. A tal ponto que uma das conquistas do movimento social de educadores, que era trazer para o âmbito escolar o processo de debate público sobre os direitos de gênero, como uma das estratégias sociais para superar as diferentes formas da violência e discriminação de gênero, sucumbiu aos apelos de dois atores principais. De um lado estava a Bancada Evangélica, que representava o tom moralista crescente, que incompreendia os direitos de gênero como um avanço na defesa da pessoa humana. Entendia a questão de gênero como uma espécie de ideologia promotora de comportamentos julgados pela Bancada como inadequados. Com isso desprezava-se todo conhecimento científico sobre a homossexualidade. 

Além desse grupo, com uma noção moralista muito semelhante, estavam os setores do catolicismo educacional, que compreendia ser a discussão de direitos de gênero, no âmbito escolar, imprópria. Pois, segundo eles, esta formação ética, do respeito à diferença, caberia às famílias e às igrejas. De qualquer maneira, estes grupamentos sócio-eclesiais terminaram por arregimentar parlamentares suficientes para extirpar do texto do PNE a discussão dos direitos de gênero. O tema permanece, entretanto,em alguns planos estaduais e municipais de educação.

Essas e outras questões de tensionamento, em especial referente ao financiamento da educação, permaneceram presentes até a aprovação do plano. O Plano Nacional de Educação 2014-2024 foi aprovado e sancionado pela Presidenta Dilma Roussef, aos 24 de junho de 2014. Desde então, é tarefa da sociedade e do Estado brasileiro fazer com que se cumpra o Plano e encaminhar a destinação financeira apropriada para o cumprimento do mesmo. O Plano possui  20 metas e 254 estratégias. O arcabouço do plano pode ser dividido em eixos divididos do seguinte modo: (1)  educação básica – em todos os níveis e modalidades, incluindo a educação especial e educação profissional [metas 1 a 11]; (2) educação superior [metas 12-14];  (3) formação de professores e pós-graduação [metas 15 a 18]; (4) financiamento e gestão democrática [metas 19 e 20].

Esta postagem dá continuidade ao elenco de avaliações das metas:

1.       A meta 4 prevê universalizar a educação especial e inclusiva para crianças e adolescentes de 4 a 17 anos com deficiências, transtornos de aprendizagem ou superdotados, no sistema regular de ensino, com as tecnologias e equipamentos assistivos necessários., em estabelecimentos públicos ou privados. Uma das questões imediatamente expressas na própria meta é a disputa público-privado, que no texto da meta remete para a possibilidade dos estabelecimentos privados atenderem a esse direito. Essa foi uma das metas mais disputadas no Congresso Nacional. A complexidade da meta referendou a aprovação de 19 estratégias para a mesma. Não existem dados suficientes para avaliar a meta. Porém se sabe que, após a aprovação em 2008 da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, de 2007 a 2013 as matrículas nos estabelecimentos regulares, nos diferentes níveis e modalidades da educação básica, passaram de 300 mil para 650 mil aproximadamente. De qualquer modo, a construção de indicadores para acompanhar o cumprimento dessa meta é uma questão em aberto.
2.       A meta 5 prevê a alfabetização de todas as crianças até o final do 3º ano do ensino fundamental. Essa meta se remete diretamente ao sistema nacional de avaliação da educação básica (Saeb), em especial a provinha Brasil. Isto é uma legitimação do sistema de avaliação em larga escala sem assumir as discussões que têm sido feitas pela comunidade de educadores sobre esse sistema.  A avaliação nacional de alfabetização tem verificado como há avanço nesse processo. De qualquer maneira, considerando os indicadores atuais, as taxas indicam que em 2014, segundo DAEB/ANA,  77,8% sabiam ler e 65,8% sabiam escrever. Em relação à aprendizagem matemática apenas 42,9% tiveram desenvolvimento compatível ao esperado pela provinha Brasil. As sete estratégias da meta estão vinculadas com o sistema de avaliação em larga escala, sem nenhuma menção à avaliação de aprendizagem e à avaliação institucional como parte do processo.  Como as outras quatro metas anteriores, o foco em relação o acesso das comunidades indígenas, quilombolas e camponesas, além, da atenção às crianças com deficiências é ressaltado. O ritmo do atendimento à meta leva a crer que haverá dificuldade de atingi-la em oito anos sem enorme controle social da sociedade civil e da comunidade de educadores.
3.       A meta 6 prevê a oferta de educação em tempo integral para, minimamente, 25% dos alunos da educação básica, em 50% dos estabelecimentos de ensino. A avaliação governamental do cumprimento da meta indica que se passou de 26,1% das escolas públicas que ofereciam educação em tempo integral, em 2011, para 42% delas em 2014, segundo o IBGE/PNAD. Porém, esse dado inclui escolas envolvidas com o programa mais tempo na escola. Este programa estende o tempo na escola com atividades diversas, que envolve a participação de educadores populares. Porém, a maioria dos estabelecimentos não tem nessas atividades articulados por meio de um planejamento integrado ao plano político pedagógico da escola. Em grande parte dos casos, as atividades têm apenas efeito recreativo. Isto explica o outro elemento de avaliação da meta, o número de matrículas em escolas que possuem tempo integral. Estas, em 2014, eram de 15,7% - no entanto, em números absolutos, a participação no contra-turno, entre 2011 e 2014 dobrou de 3,2 milhões para 6,3 milhões de estudantes da educação básica nessas atividades. No entanto, o ritmo proporcional dobrou de 7,5% para 15,7% no mesmo espaço de tempo; o que indicaria condições para atingir a meta – porém, com que estratégias de contra-turno?

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