segunda-feira, 11 de abril de 2016

Incompletudes do PNE: um primeiro elenco (3)

As Incompletudes do Plano Nacional de Educação: observações de abril de 2016 (3)

A meta 7 - A continuidade da construção de um sistema nacional da educação básica

A meta 7 é uma espécie de meta sintética. Por isso mesmo, ela apresenta em suas 36 estratégias repetições e contradições. Isso indica que a disputa sobre qual a qualidade de educação se busca para o País é um campo de tensionamento político. Existem várias proposituras. Há um campo que defende a função social emancipadora da escola, que a identifica com a formação integral, cidadão e para o mundo do trabalho. Para esse campo, o processo de ensino aprendizagem, como processo relacional, deve ser levado em conta como elemento avaliativo. As avaliações não devem ficar consignadas aos aspectos cognitivos. Deve-se buscar compreender os processos, para superar entraves e aprimorar procedimentos. O campo que identifica a função social instrumental da escola, tem a perspectiva da formação individual, empreendedora e para o mercado de trabalho. Para esse campo, deve-se mensurar os resultados dos processos cognitivos, eles seriam indicadores de competências e habilidades apropriadas para a inserção no mercado. Efetivamente, as concepções pedagógicas interferem nas ideias de avaliação que corresponderiam aos processos educacionais.

Esta tensão é bastante refletida na meta 7 - conquanto esteja presente em todo o PNE. A meta 7 possui 36 estratégias. É a meta com o maior número de estratégias do PNE 2014-2024. Isso, também, mostra a centralidade da educação básica para a educação no Brasil. Indica seus desafios. Desafios ainda maiores considerando que (a) há maior extensão da obrigação do Estado com relação à educação básica desde 2009, com o atendimento às crianças e adolescentes de 4 a 17 anos; (b) existe o desafio em superar a dificuldade do atendimento do Ensino Médio, no qual há uma taxa média líquida de matrículas ao redor de 50%; (c) a questão da elevação da qualidade educacional, seja com uma compreensão emancipadora ou com uma compreensão instrumental, se apresenta como um desafio acutilante, o que lança questões sobre o modelo de avaliação existente.

1.       A meta 7, que cria um gradiente para a avaliação da idade certa para a aprendizagem de qualidade, é uma das mais complexas. É a que mais estratégias possui, 36 com graus de complexidade variado (e desconsiderando que as estratégias 7.2 e 7.22; sobre mensuração de níveis de aprendizagem – ao quinto e ao último ano do plano; e sobre a informatização da gestão e o treinamento dos técnicos, respectivamente. Esta meta possui uma tabela que indica a variação desejada em relação ao indicador existente nas avaliações de larga escala:

IDEB
2015
2017
2019
2021
Anos iniciais do ensino fundamental
5,2
5,5
5,7
6,0
Anos finais do ensino fundamental
4,7
5,0
5,2
5,5
Ensino médio
4,3
4,7
5,0
5,2

Trata-se de melhoria gradativa em relação ao PISA. Trata-se de aprimorar as condições de resultado das avaliações de aprendizagem em conformidade ao modelo da OCDE. Essa meta, também, se refere à qualidade da educação.

O foco da meta, no entanto traz, por meio das estratégias discussões mais ampliadas em relação à qualidade social da educação. A estratégia 7.1 se refere ao papel da Base Nacional Comum – que deveria até 2016 estar estabelecida. Essa é uma discussão sobre o currículo da educação básica. A Anped, por exemplo, afirma que já existe um currículo da educação básica que deveria ser respeitado.
De qualquer maneira, a consulta para o estabelecimento da Base Nacional Comum, em que pesem as críticas de especialistas, como Luiz Carlos Freitas (2013), por exemplo, que indicaram as impropriedades do processo de elaboração e consulta, teve mais de 12 milhões de propostas. Este será o parâmetro dos conteúdos de aprendizagem em relação à formação de crianças e adolescentes, em todo o Brasil, na educação básica.

O modelo finlandês e outros modelos que seguem a noção de avaliação a partir de processos, têm na base curricular o elemento de critério para o processo pedagógico e a construção dos instrumentos de avaliação. Teoricamente, ao menos, isso permitiria que não os resultados estivessem tomados em consideração, de forma isolada. Aliás, esse parece ser o caso atual da avaliação em larga escala, segundo muitos dos especialistas.  No entanto, a Base Nacional Comum, que se encontra em discussão, ainda não tem sinais de um consenso formado ao seu redor. Com efeito, essa situação compromete a meta.

A estratégia 7.2 (a e b) reforça essa perspectiva processual da avaliação educacional, ela indica que haverá avaliação intermediária, dando a noção de acompanhamento de processo – por outro lado, o mecanismo de acompanhamento é a proximidade da meta com relação ao Ideb, que, como expresso, está focado em resultados. Porém, as estratégias 7.3; 7.4 e 7.5 referem-se a construção de indicadores de avaliação que contemplem conteúdos sociais, atitudinais, além dos cognitivos. E se propõe que sejam criados instrumentos de avaliação institucional e que os planos de ação articulada dos municípios contemplem essa elevação da qualidade social da aprendizagem. As estratégias 7.6 e 7.7 previam maior colaboração entre os entes federativos para a construção de modelos avaliativos institucionais e de redes. Até  abril de 2016 não se sabe com precisão quantos municípios já estabeleceram sistemas de avaliação das redes. Em relação aos estados, apenas 14 possuem instalados sistemas de avaliação em larga escala da educação básica (AC, AM, PA, TO, AL, BA, CE, PE, PI, GO, MS, ES, RJ, MG, SP, RS). As estratégias 7.8; 7.9; 7.10; 7.11 retomam a estratégia da mensuração por meio do Ideb e do Pisa.

Como se nota, em relação à qualidade da educação e às relações entre estratégias de avaliação e estratégias de ensino-aprendizagem, a meta 7 contempla essa tensão entre avaliação de processos e avaliação de resultados. No dizer de Freitas (2013), teríamos aqui a tensão entre cultura da avaliação e cultura da auditoria.  Porque, a mensuração teria como consequências o incentivo a práticas pedagógicas inovadoras (7.12) – menos que sua disseminação; o estabelecimento de parâmetros mínimos de qualidade dos serviços da educação básica (7.21);  integrar mais estados e municípios na cultura da auditora – ou da avaliação? (7.32); promover regulação da ofereta da educação básica pela iniciativa privada (7.35) e estabelecer políticas de estímulo para as escolas que tiveram melhor desempenho em relação ao Ideb (7.36).

Outra estratégia que não está desenvolvida de forma apropriada é em relação à avaliação da educação especial. Na verdade, a política para educação especial se acelerou a partir de 2003, com o Decreto 4876/2003 e a Lei 10.845/2004 que dispõem sobre inclusão na Universidade e na Educação Básica, respectivamente. Conquanto o debate integração e inclusão não haja esmaecido, o que se pode referir em relação à meta é que não há normativas consolidadas sobre o assunto.


Há um conjunto de outras estratégias vinculadas à uma concepção da função social emancipadora da escola.  Elas dizem respeito aos processos de melhoria das condições de aprendizagem. Isso tem que ver com a melhoria das estruturas físicas das escolas, cuidado com o livro didático, acesso ao transporte público escolar, onde necessário, contextualização pedagógica em relação ao ambiente do estudante (escolas do campo, escolas quilombolas, escolas indígenas, escolas rurais, escolas urbanas, inclusão).  Se trata de um conjunto de medidas que inclui maior protagonismo e inversão econômica da União em auxiliar os entes federados que tiverem dificuldade em atender à meta. Com integrações inter-setoriais, inclusive, como atendimento à questão da saúde e superação da violência nas escolas.  Até podemos afirmar que das 36 estratégias da meta, 20 têm essa ênfase em uma perspectiva da função social emancipadora da escola. Porém, parece algo do irrealismo fantástico, como, por exemplo, falar em universalização da energia elétrica nas escolas (7.18) e da informatização com acesso a internet de banda larga (7.15). Não que inexistam as condições materiais para tanto, é que inexistem movimentos governamentais para esta direção. Isto implica em ter estratégias de financiamento da educação que não estão dadas efetivamente.

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